Thursday, July 22

sonhos...?

Quando se aproximam alturas de trabalho em orquestra ou concertos importantes, é normal encontrar-me nalguma noite lentamente emergida de algum cenário humilhante - directamente relacionado com a situação profissional do momento - numa aflição mista de indignação e medo. É mesmo assim. Ainda a sonhar, começo a duvidar da credibilidade da situação que vivo nesse momento e através desta brecha, a minha consciência entra na obscuridade do quarto e apercebe-se que as pálpebras já estavam abertas.

Há cerca de duas semanas, aquando de uma pequena tournée com orquestra em que toquei acompanhamentos de concertos a solo, de repente encontrei-me a tocar sem a "partitura", de memória como se fora eu a interpretar um concerto a solo. O facto de ser solista e de, no entanto, me encontrar no meio do grupo, sentada ao lado do oboé e de frente para o maestro não pareceu minimamente incongruente. E tudo corre bem: Uma intervenção longa e sem falhas... compassos de espera...

Não me recordo de ter ouvido o que estávamos a tocar até que, quase chegado o momento da minha próxima "entrada", a nitidez da memória do sonho subitamente aumenta e já consigo distinguir o ambiente sombrio e sinistro desta sala de concerto, o peso desta música que tem o surdo som do silêncio. Distingo, filtrados pela distância, alguns acordes do Concerto Grosso de Bloch para quarteto de cordas. Tudo ali é negro, cinza e espesso. Então começo a sentir de dentro da minha cabeça, a vibração da minha voz. Apercebo-me agora realmente que não existe "partitura" e que o que estou a tocar não é de todo o mesmo que todos os outros estão a tocar. Mas nem chego a saber o que era.
Os olhos abrem-se com violência mas já estavam entreabertos. Já não havia ninguém, só eu e o quarto, o palco do espectáculo.

Só eu e a vergonha do meu erro, o medo que se torne o sonho em realidade e um soluço de raiva de me sentir impotente para o impedir, ainda que seja só em sonhos.

P.S. E. Bloch







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