Sunday, April 4

Tenho a certeza que a maioria das pessoas, por causa do desinteresse cada vez maior na música dita erudita e pela perda - ou não cultivo - do hábito de ir ouvir concertos, não se apercebe das dificuldades enormes que tem um músico para encontrar um posto de trabalho digno em que possa verdadeiramente exercer a sua arte, e não apenas limitar-se - como é o caso dos professores de música (eu própria) - fazer aumentar cada vez mais o número de músicos desempregados de alto e baixo nível profissional (que se tornam nos actuais freelancers e em mais professores de música ainda.). Estes, pelo melhor ou pior, inflaccionam o mercado de trabalho em todo o mundo e geram a necessidade de uma migração constante resultante numa verdadeira promiscuidade de nacionalidades e culturas no seio das orquestras. (Claro que esta promiscuidade pode até ser considerada uma das consequências mais interessantes dessa crise generalizada.)
É então comum ver-se um leque variadíssimo de nacionalidades entre os concorrentes para um determinado lugar. Na quinta-feira, porém, foi com espanto que conheci dois japoneses residentes na Alemanha, que viajaram até Portugal só para tentar a sorte num concurso para um mero lugar de "reforço". E apesar da grande quantidade e qualidade dos concorrentes portugueses, um deles ainda conseguiu ficar na lista!...

Audições na Orquestra Sinfónica de Lisboa

Na Quinta-feira passada (1 de Abril), no teatro S. Carlos, realizaram-se audiçőes para "reforços" da Orquestra (para quem não saiba, um "reforço" é um músico contratado apenas para um programa, tanto no caso de algum dos membros efectivos ter que faltar, como no caso de se tratar da interpretação de uma obra que exija a presença de maior quantidade de elementos do instrumento em questão. É frequente isso acontecer em obras de compositores mais próximos ou mesmo a partir do Romantismo como por exemplo Beethoven, Berlioz, Mahler ou Wagner que utilizam grandes orquestras e uma grande massa sonora).
Esta audição, em especial, poderá ter representado uma oportunidade única no caso das flautas, pois poderá ter-se tratado já de uma pré-selecção para o concurso para efectivo que deveria acontecer em breve, posto que o lugar de quarta flauta se encontra até agora preenchido por um senhor da "velha guarda" (dos que sobreviveram à antiga orquestra) e que toda a gente espera ansiosamente que se reforme...
O problema é que não há a certeza ainda de que a direcção da orquestra queira substituir o dito senhor e abra o lugar para novo efectivo. Parece-me extraordinário que os dirigentes de uma orquestra do estado, que é práticamente a única verdadeiramente sinfónica, a tocar Ópera (com a Gulbenkian a reduzir cada vez mais os programas sinfónicos e a Nacional do Porto como sinfónica ao mínimo), que se desdobra práticamente em duas e que tem uma responsabilidade musical quase total no nosso não tão pequeno país, se possam dar ao luxo de encarar sequer a hipótese de não prencher o dito lugar e o deixar ao sabor do vai-e-vem "freelancismo ". Porque, se por um lado se tem apresentado o argumento de que um músico com um lugar certo tende a baixar o seu nível profissional - ideia que é aliás bastante insultuosa, demonstra uma enorme falta de respeito por toda uma classe e acima de tudo completamente descabida - por outro há que ter em conta a vantagem do ponto de vista da qualidade musical, obviamente melhorada pela coesão de um grupo que trabalha regularmente e em que se cria um "som", uma unidade no naipe doutra forma impossível.
Mas já era pedir demais que as decisões ligadas ao âmbito musical fossem tomadas, senão por músicos, ao menos por alguém que se interessasse, gostasse e conhecesse um bocadinho de música...

Por mim posso dar-me por muito feliz pois consegui o meu lugar na dita lista de reforços, enquanto vou esperando pela abertura da "Nova Orquestra Sinfónica de Lisboa", tão prometida, mas até agora tão fictícia quanto os já tão populares concertos de violino de Chopin!

Friday, April 2

destino?

Não sei se hei-de ou não acreditar no destino.
Sempre tive este gosto de procurar a razão científica das coisas sem me deixar embalar por fantasias e mitos. Por outro lado muitas vezes lamentei o facto de me ser impossível, por isso mesmo, acreditar na existência de um deus (católico ou mesmo outros).
Quem é que é capaz de tomar conhecimento da incrível imensidão do universo e acreditar, em perfeito juízo, na existência de uma entidade semelhante ao homem, criadora de tudo isso?
Mas Deus sabe o quanto, muitas vezes, gostaria de poder trazer esse cheiro de fantasia e sonho à minha vida. Conseguir acreditar que ainda temos algum poder sobre aquilo que nos acontece, ou justamente, no facto de sermos guiados como que por magia e por desígnios superiores a fazer algo. Como se fossemos tão importantes para o mundo que devesse haver alguém encarregue de estudar e ditar de antemão os nossos actos, sem os quais alguma catástrofe cósmica poderia acontecer. Em suma, acreditar num destino.
À força de querer acreditar, acabo por deixar influenciar o raciocínio por aspectos do acaso; acabo por me divertir a procurar uma lógica, padrões e sinais que certamente nunca terão existido.