Friday, December 31

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Só mais uma...
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"aquilo a que se chama Pecado é um elemento essencial do progresso. Sem ele, o mundo estagnaria, tonar-se-ia senil ou descolorido. Pela curiosidade que põe em jogo, o Pecado apura a experiência da raça. Através da sua intensificada afirmação de individualismo, redime-nos da monotonia das tipificações. Na sua rejeição das noções correntes da moral, integra-se na mais alta ética."
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"Mal aparecem, todas as novas escolas se insurgem contra a crítica, mas é à capacidade crítica do homem que devem a sua origem. O mero instinto criativo não inova, apenas reproduz."

"Uma época em que não há crítica, ou é uma época em que a arte está imóvel, hierática e confinada à reprodução de tipos formais, ou é uma época que não possui arte alguma. (...) Pois é a capacidade crítica que inventa formas novas; a tendência da criação é repetir-se a si mesma."
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Oscar Wilde
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Thursday, December 30

repiração circular (segundo fôlego)

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Foi portanto com grande entusiasmo que ouvi falar pela primeira vez da "técnica da respiração circular". O nome já era sugestivo, e quando descobri que consistia em tocar e respirar ao mesmo tempo entrei em êxtase: era o sonho tornado realidade!

Com uma "simples" coordenação de movimentos e forças, consegue-se justa e maravilhosamente a simultâneidade entre uma expiração exclusivamente bucal e a inspiração unicamente pelo nariz. Ou seja:
Com um movimento das bochechas e da língua (que virá de trás - da garganta - para a frente, em direcção aos dentes), deita-se fora o ar que se encontra unicamente alojado na boca, e nesse preciso momento, consegue-se inspirar pelo nariz (para se ter melhor a percepção destes movimentos, pode experimentar-se primeiro apenas a expiração-bucal enchendo a boca de ar e vazando-a com a ajuda das mãos firmemente contra as bochechas e só depois acumular com uma inspiração-nasal).
Isto, assim à primeira vista, parecia a resposta para os meus problemas, vários e não só já de ordem respiratória, mas da exigência ao nível de uma qualidade sonora: mais ar significa mais som e mais potência, com todas as vantagens musicais mas todas as desvantagens também, que pode acarretar a ousadia de se tentar descaracterizar um instrumento, tradicionalmente, mais que identificado e rotulado...
Ah, pois é...
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Wednesday, December 29

Curiosidade
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Embora não precisem de utilizar oxigénio para gerar som, acontece a músicos instrumentistas de corda e de tecla (sobretudo violinistas e pianistas) necessitarem de recorrer à práctica de um instrumento de sopro (ou do canto) para aprender a respirar... ... nos sítios certos, claro.
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Respiração circular

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A minha infância foi marcada por violentos ataques de asma provocados por reacções alérgicas. E até nem me queixo, porque esta reacção em cadeia levou-me a certas actividades, entre as quais à música e à práctica um instrumento musical (ainda que de sopro) como método profiláctico. O que é certo é que elas lá estavam, as pieiras e as espectorações e o indescritível terror de sentir asfixia, mesmo com a cabeça fora da janela e a boca escancarada para o vento norte.
Talvez fosse então normal, que um dos maiores obstáculos técnicos com que me deparasse ao tocar fosse a respiração. Sentia-me inibida musicalmente por este factor. O que é certo é que cheguei a odiar a pobre flauta e certas frases musicais mais longas (de J.S.Bach, imagine-se) pela modesta réplica que constituiam dessas horas de aflição. Olhava, invejosa, para pianistas e instrumentistas de corda, sobretudo violinistas (e aqui refiro-me à performance dos instrumentos musicais e apenas isso, bem entendido).

As dificuldades passaram com os anos e com o desenvolvimento técnico (os problemas de ar, não a inveja dos violinistas) e aprendi a sentir-me confortável com a capacidade respiratória, tendo mesmo esta periodicidade e ritmo orgânicos sido mestres na compreensão da frase e no fluir musical.

Ninguém ouve música em apneia e uma má gerência da respiração, mesmo para um músico sem ser de sopro, pode ser fatal para a comunicação.

No entanto, ainda tendo conseguido inserir a respiração no discurso musical de uma forma saudável, não deixei de sentir o fascínio pelos instrumentos que não dependiam directamente da respiração. Ou melhor, sempre me perguntei como seria fazer música sem este tipo de - quer queiramos, quer não - limitação.

(para continuar)

Thursday, December 9

"Intentions" de Oscar Wilde

«(...) GILBERT (levantando-se do piano) Esta noite não me apetece falar. É horrivel pores-te a sorrir. É verdade que não me apetece. Onde estão os meus cigarros? Ah, obrigado. Que maravilhosos são estes narcisos! Parecem feitos de âmbar e de marfim frio. São como as coisas gregas do melhor período. Que história era aquela nas confissões desse académico cheio de remorsos que te fez rir? Conta-me. Depois de tocar Chopin, sinto-me como se tivesse estado a chorar por pecados que nunca cometi ou a carpir tragédias que não me diziam respeito. A música parece-me sempre produzir esse efeito. Cria-nos um passado que ignorávamos e inunda-nos com a sensação de tristezas que estavam escondidas das nossas próprias lágrimas. É-me fácil imaginar um homem que, depois de uma vida perfeitamente vulgar, ouvindo por acaso uma curiosa composição musical, descobre subitamente que, sem que tivesse tido consciência disso, a sua alma passara por experiências terríveis e conhecera alegrias temerosas, exaltados amores românticos ou grandes renúncias. Por isso te peço que me contes essa história, Ernest. Quero divertir-me. (...)»

WILDE , Oscar, «Intenções, Quatro ensaios sobre estética»

[«O Crítico com artista, Incluindo algumas reflexões sobre a importância de não fazer nada»],
Edições Cotovia, Lda., Lisboa, 1992